Esta estada em
Portugal, mais longa do que o esperado, tem pelo menos a virtude de poder
realizar, a pedido de alguns “ferrinhos”, mais umas sessões das já saudosas Ivy
Leagues.
Na falta do local
habitual, começamos aquele que será uma ronda pelas capelinhas e começámos pelo
Clube da Gula num gesto de reconhecimento por tudo o que a Helena tem feito em
prol da divulgação da enofilia.
Esta jornada trouxe
muitos e bons vinhos como poderão confirmar, alguns com muito para contar…
Vinhos pela ordem de serviço Jogador Classificação
Informal 2010 Sérgio Santos 10º lugar
Blandy's
Terrantez 20 Anos Orlando Costa 3º
Toques et
Clochers Limoux Chardonnay 2007 Sérgio
Santos 6º
Louis Latour
Corton-Charlemagne 2008 Alexandre Braga 7º
Charme 2009 João Crispim 4º
Vinhas da Ira
2005 Hildérico Coutinho 5º
Barca Velha
2004 Isabel Braga 2º
Lagoalva de
Cima Syrah 2005 Alexandra Amorim 1º
Luís Pato
Abafado Molecular Branco 2010 Hildérico Coutinho 9º
Málaga
Moscatel Luís Império 8º
Esta jornada teve a
particularidade de poder ajudar a responder a uma pergunta que sistematicamente
me fazem: qual é o melhor vinho português? sendo que quase todos eles já têm a
resposta pronta, o Barca Velha, não é?
Pois desta vez
havia o aliciante de termos em prova o último Barca Velha que saiu para o
mercado, o 2004. Ainda não o tinha provado e resolvi testá-lo, colocando em
prova vinhos com praticamente a mesma idade, 2005, um alentejano, o Vinhas da
Ira, o outro do Tejo, antigamente Ribatejo, o Lagoalva de Cima - Syrah, que
custam uma quinta parte do ícone português e provêm de regiões que, dizem os
entendidos, tem menor potencial de envelhecimento.
Eu costumo dizer a
quem responde à questão colocada com a resposta habitual com um desafio. Eu
coloco nove vinhos até aos vinte e tal euros e em prova cega eu aposto que o
Barca Velha fica a meio da tabela.
Desta vez e apenas
com mais um vinho tinto em prova, o Charme 2009, também do Douro, mas com um perfil
completamente diferente, não ganharia a aposta se fossemos rigorosos, mas não
ficaria longe da vitória.
A boa nova é que
este 2004 é, para mim, claramente melhor que o seu antecessor, o 2000, não
apresentando este notas que me deixam desatinado, o suor de cavalo que se
quisermos ser simpáticos chamamos couro. Não consegue todavia, como previra,
destacar-se dos demais, sendo mesmo ultrapassado por um concorrente. O mais
curioso é que quase todos o identificaram, tendo todos trocado o Vinhas da Ira
pelo Lagoalva de Cima. Eu explico o porque de me ter enganado, não por não ser
habitual, mas neste caso o Vinhas da Ira apresentava umas notas que eu
identifiquei como pimenta preta, que é nada mais nada menos que a marca
distintiva habitual da casta……………………………………..ahh?
Syrah, pois então. Além
disso apresentava um perfil mais para o elegante, com pouco volume de boca,
como tenho encontrado em outros Syrah’s. Enfim, por vezes também queremos
enganar-nos a nós próprios. Teria sido o caso? A verdade é que se tratava do
Vinhas da Ira, tendo aquele que pensávamos tratar-se deste tratar-se afinal
daquele que todos colocariam em último lugar, o Lagoalva de Cima que ganhou a
prova com quatro dos participantes a considera-lo o vinho da noite e sendo que
o Barca Velha não foi o vinho da noite para ninguém!
Espero com isto ter
respondido à questão, ou seja, essa é uma questão que se não deve colocar,
simplesmente porque não tem resposta.
Falemos agora dos
brancos em prova, que mesmo não ganhando a prova, não só eram muito bons como
têm ambos muita história para contar.
Comecemos pelo que
foi servido em primeiro, oriundo de uma região pouco considerada,
Languedoc/Roussillon, situada no sul de França, nas fraldas dos Pirenéus, mas
que ganhou ao vinho proveniente de uma das mais famosas vinhas do mundo na
Borgonha, ambos utilizando única e exclusivamente a casta Chardonnay.
Creio que é a
segunda vez que provo um vinho de Limoux, mas só agora me apercebi um pouco da
história que está por trás dos vinhos desta zona. Que falha e com que vontade
de conhecer fiquei depois de saber que este vinho em particular foi leiloado
num festival anual de música, artes, gastronomia e vinho. Que mais poderemos
querer? Está bem, ok, eu sei, mas podem sempre levar convosco. Anualmente a
festa é liderada por um Chef convidado (“Toques”) e o resultado do leilão é
utilizado para recuperar uma das quarenta torres sineiras (“Clocher”) desta
região, permitindo assim manter a traça arquitetónica desta região. Temos tanto
para aprender…
Vejam através deste
vídeo e outros que por lá há e o porquê de ter ficado com formigueiro no rabo… http://www.youtube.com/watch?v=lHsYZGBtKtQ
E porque é que este
vinho ganhou ao borgonhês? Porque está pronto para beber e, não sendo muito
complexo, tem uma mineralidade e uma estrutura muito agradável e é certamente
diferente dos habituais chardonnays, não tão fácil e óbvio, mas disso já
estamos um pouco fartos.
O outro branco,
proveniente de uma das mais famosas vinhas do mundo, que pouco mais é que um
cabeço com aspeto de cogumelo pelo topo estar cheio de árvores e em que as
vinhas mais altas são da casta Chardonnay e as mais baixas de Pinot Noir.
Estas vinhas
pertenceram ao imperador Carlos Magno e até ao século oitavo produziam apenas
vinhos tintos, mas a certa altura, a mulher do imperador, cansada de ver as
barbas do marido pintadas de vermelho resolveu impor a sua vontade e as vinhas
foram replantadas para produzir vinho branco, algo que se mantém até hoje. Ainda
havia dúvidas acerca de quem manda?
Esta pequena sub-região
da Côte de Beaune tem 1 AOC para tintos denominada Corton e 3 para brancos, Charlemagne
é uma vinha tão pequena que na prática quase todos os produtores juntam as uvas
provenientes desta vinha com as vinhas vizinhas e lançam o vinho sob a
denominação Corton-Charlemagne, mas existe ainda uma outra, porventura ainda mais
rara e que tem o mesmo nome da AOC para tintos, simplesmente Corton.
E porque passo a
vida a ouvir dizer que nós não temos produção para os grandes mercados, não
posso deixar de referir, que em conjunto, todos os produtores da AOC
Corton-Charlemagne conseguem lançar no mercado anualmente cerca de 300 mil
garrafas de vinho. E estavam a falar de quê?
E porque é que este
vinho perdeu para o outro branco apesar de todos reconhecerem um maior
potencial neste vinho? Porque mais uma vez cometemos um infanticídio. Está
demasiado novo e não apresenta grande complexidade por isso mesmo. Tem no
entanto uma mineralidade, acidez e profundidade notáveis, que no futuro serão
de grande valia quando o vinho ganhar os aromas terciários de que necessita.
E como esta crónica
já vai longa e dos vinhos de sobremesa pouco há a dizer, vou apenas referenciar
o Blandy’s e falar-vos da delícia que é a utilização destes vinhos secos da Madeira
para acompanhar entradas. Naõ deixem de o fazer quando puderem, se não for com
a casta Terrantez, mais rara, façam-no com a Sercial. Fiquei surpreso com a
doçura deste vinho que esperava mais seco. Era pelo menos essa a memoria que eu
tinha destes vinhos que poucas vezes bebi. Esperemos que não passem muitos anos
antes de voltar a beber um Terrantez que felizmente salvaram da extinção. Um bem
haja aos madeirenses.
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