terça-feira, 11 de dezembro de 2012

CUQUEIROS - EPISÓDIO 1

Uma nova história está a começar...

Começamos na passada segunda-feira, dia 3 de Dezembro de 2012 aquilo que se espera venha a ser uma tradição. E não podia ser uma melhor tradição, já que engloba alguns dos maiores prazeres que posso ter, jogar ténis, comer, beber e estar com amigos. Conseguem encontrar muito melhor?
Para este inicio coube me a mim a honra de trazer as bebidas para acompanhar as comidas que o Chef Paixão do Restaurante Tia Maria, bem ao lado do Clube de Ténis de Luanda e do estádio dos coqueiros teve a amabilidade de preparar.
As hostilidades foram abertas de forma a honrar o nome do grupo, que por motivos óbvios se batizaram de CUQUEIROS.
Depois da necessária Cuca chegou uma prima da Bélgica, com o nome algo pomposo de Bourgogne de Flandres mas a verdade é que impressionou e agradou. Pessoalmente achei que o aroma indiciava uma cerveja com mais corpo, mas a verdade é que ela é ligeira e com acidez bem vibrante. A explicação encontrei-a no baixo teor alcoólico, uns banais 5%. Os tradicionais aromas a malte e a café neste tipo de cerveja escura eram notórios.
As entradas, camarão ao alho, que estava bem e uma espécie de tempura de chocos, que estava um pouco frita demais e a polme deveria ser mais leve serviram para dar lastro aos dois brancos que se seguiram, o Encruzado da Quinta dos Roques e o Paul Blanck Wineck-Schlossberg Riesling, ambos de 2001. Pena foi que o segundo a ser servido, o Riesling, já não tivesse o prato com que melhor ligaria por um glutão se ter agarrado aos camarões como se não houvesse amanhã. Foi também curioso para mim, ter verificado que num país onde a grande maioria prefere doçura, ter neste grupo encontrado o contrário e uma grande resistência a apreciar devidamente este vinho de que gosto imenso. Saiu-se melhor o Encruzado, apreciado pela generalidade dos presentes e que com 11 anos estará de fato no seu melhor.
Para acompanhar umas boas costeletas de borrego tivemos igualmente dois tintos e também aqui o preferido foi o menos doce e mais elegante vinho do Dão, o Quinta da Ponte Pedrinha Reserva 2004 a levar a melhor ao imponente vinho de Toro, o Almirez 2009, uma autêntica bomba de fruta preta. Demasiado para o bichinho de lã.
Para a sobremesa e na ausência de um doce apropriado, fomos para a fruta variada a acompanhar um Vinho do Porto Branco da Quinta de Santa Eufêmia com 10 anos. Um estilo de vinho ainda pouco conhecido pela generalidade dos consumidores mas que apresenta algumas vantagens perante os tradicionais Tawny's feitos com vinho tinto, em particular, uma maior acidez que lhe permite acompanhar melhor algumas sobremesas. Não me pareceu que tenha sido dos mais apreciados, mas eu prometo voltar à carga, depois de algumas sessões, com outros vinhos do género, mas para melhor...
Acabo com a lista dos presentes neste repasto e dos famigerados resultados do ténis:
Rasoilo, Roberto, Raymond, Nélson e Hildérico.

Resultados:
Nélson vs Rubin : 6-4 e 7-5
Rasoilo e Roberto vs Hildérico e Raymond : 6-3 e 6-4

Brevemente, um novo episódio será aqui exibido...
Hildérico Coutinho

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Caminhos para o vinho português


No final de 2010 foi organizado na Alfândega do Porto um evento internacional, com a presença de alguns dos mias importantes wine writers a nível mundial. Tinha como objetivo a divulgação da nossa Touriga Nacional e consequente promoção de Portugal e dos vinhos portugueses.
Escreve Manuel Carvalho, na Revista de Vinhos de Outubro, que é mais um exemplo da inconsequência das iniciativas portuguesas, que têm sempre muitos a falar, mas depois fazer … Não podia estar mais de acordo e também não podia estar mais de acordo quando diz que a Touriga Nacional, salvo raras exceções, não brilha sozinha. De fato, não me lembro de muitos vinhos só de Touriga Nacional, que me tenham impressionado. Eles têm no entanto de irem sendo feitos, não só para percebermos como evolui, mas também porque de vez em quando atinge patamares de verdadeira excelência e estou e lembrar-me de um vinho da Quinta do Crasto de 2001 que era absolutamente notável, mas também da Quinta do Vallado que viu muito recentemente o seu TN ser pontuado com 95 ou 96 pontos pela Wine Spectar ou do brilhante TN do Alentejo produzido pela Cortes de Cima, salvo erro em 2003.
Usando a Argentina como exemplo maior, que com a sua Malbec, vai trilhando um caminho de sucesso, defende para Portugal a mesma estratégia, usando nós a Touriga Nacional. Não podia estar mais em desacordo!
A Argentina, como todos os chamados países do novo mundo do vinho, tem o seu território coberto essencialmente por meia dúzia de castas e depois tem mais meia dúzia a ocuparem uma área irrisória para irem realizando pequenas experiências. Portugal tem mais de trezentas castas e está com a Itália destacadíssimos no topo de países com mais castas autóctones.
A diferença dos vinhos na Argentina existe mais pelos produtores que pelas regiões. Em Portugal existem claras diferenças entre os vinhos oriundos de diferentes regiões com as devidas exceções, é claro.
Se se montasse uma estratégia de promoção dos vinhos baseado na lógica dos países do novo mundo, rapidamente se perderiam grande parte deste património, pois para responder aos pedidos de vinhos Touriga Nacional seria necessário enxertar grande parte dos nossos vinhedos. Não esquecer que se fala muito nesta casta, dos rótulos nem se fala, mas a verdade é que não há uma única região onde esta casta seja maioritária, longe disso.
O Manuel Carvalho também apela ao fim desta estratégia, que defende mas que poderá ser um entrave se não for definida uma nova estratégia e essa a meu ver não poderá ser outra que não a francesa. Para não haver problemas de perda de identidade nas regiões e de vinho em quantidade, vendam-se as regiões, colocando o nome das regiões com maior destaque que o dos produtores, como faz e bem a Borgonha, ou Chateuneuf du Pape, ou Côtes du Rhônne, etc. É um trabalho lento? É. Difícil? Sim. Impossível? Não. Temos vinhos com qualidade suficiente para seguir este caminho, que defenderia a nossa identidade e a prazo elevar de uma forma exponencial o valor dos nossos vinhos.

Hildérico Coutinho
Escanção do Restaurante Luanda Grill
hilderico@gmail.com

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ivy League no Restaurante O Senhor Abade


Jogador
Selecionador
Classificação
Sauternes 2009
António Octávio
Paul Blanck Furstentum Riesling 1999
Isabel Braga
Paul Blanck Altenbourg Vendages Tardives Pinot Gris 1998
Hildérico Coutinho
Luís Pato Vinhas Velhas Branco 1995
Luís Castanheira
Quinta dos Roques Encruzado 2001
Alexandra Amorim
Montes Alpha Syrah 2002
Francisco Rodrigues
Quinta da Carolina Tinto 2006
Ana Rodrigues
Quinta do Crasto Vinhas Velhas 2009
Maria Manuel
Taylor's Tawny 30 Anos
Susana Teixeira


Esta terá sido certamente a primeira jornada em que acabámos por ter mais treinadores que jogadores, isto porque um dos jogadores selecionados estava afinal com uma gripe tal que nos embotava o nariz e que o povo conhece por TCA. E que pena foi, pois este jogador vinha da Áustria e tinha sido colhido tardiamente… Devia ser um latagão!
A jornada teve também um número anormal de participantes, mas eu não podia deixar de conhecer um amigo de um grande amigo que por sinal está em Luanda e creio que ninguém se terá arrependido destes dois participantes extra, pois não só o vinho não faltou graças ao comedimento das senhoras, que desta vez estavam em paridade (quotas para quê?) e porque, ainda assim, tivemos a oportunidade de degustar 9 vinhos num mui agradável serão com boa comida e disposição.
Antes de falar da prestação dos jogadores queria realçar os três pratos que me pareceram ser os mais aplaudidos:
- Filetes de cavala em “banho de imersão” de azeite! Na minha opinião pecavam pelo excesso de gordura do peixe e do azeite. Eu teria colocado aqui algum elemento que tornasse menos pesado este prato, como um tomate confitado ou uma “cebolada” de pimentos com um bom vinagre que acidificasse a coisa.
- Lampreia em conserva feita pelo João Bahut, cozinheiro e estudioso de receituário antigo, a acarinhar e aplaudir e isso só se faz indo lá!
-  Congro ensopado como se faz em Bragança. O melhor da noite com um molho fricassé absolutamente divinal em elegância e sabor. A repetir!
Utilizarei a ordem de serviço e começarei pelo Sauternes, que sendo uma novidade para alguns acabou beneficiado por isso. Este é um vinho que eu não consigo perceber por quem é feito. Penso que poderá ser feito por uma cooperativa, mas não sei e gostaria que alguém me ajudasse. Eu já tinha bebido outras colheitas deste vinho e esta foi a única que me impressionou e que me leva a crer que este ano poderá ser outro ano de excelência. Fui investigar e de fato, é isso que dizem os críticos, apontando este como o sucessor direto da fantástica colheita de 2001. Aconselho-vos pois a experimentarem um Sauternes ou um Barsac, região limítrofe de características semelhantes, de 2009 de alguns dos grandes produtores normalmente reconhecidos através da classificação premier cru.
O segundo vinho foi uma surpresa ainda maior para alguns dos participantes, não tanto por não conhecerem a casta Riesling, mas mais por nunca a terem bebido com uns anos valentes em cima.  E que bem que lhe fica a idade, fazendo com que este vinho que é seco e com notas petroladas pareça adocicado graças às notas de frutos secos, frutos de caroço desidratados e mel. Uma delícia e esta foi das melhores que bebi desta colheita, que este vinho já está naquela idade em que a qualidade depende imenso da garrafa que se abre. Sorte a nossa.
Se há alguma região que origina Pinot Gris voluptuosos, densos, geniais, essa é sem sombra de dúvida a Alsácia. Se a isso somarmos umas uvas colhidas mais tarde e um dos produtores mais aclamados da região facilmente percebemos que o resultado só poderia ser este, um vinho profundo, com doçura qb e que, diga-se em abono da verdade, muito o beneficiou na votação, elegante, pouco ácido mas o suficiente para não o deixar ser enjoativo. Foi considerado o melhor da noite por 3, enquanto o anterior o tinha sido por 4, mas votações médias mais altas levam-no ao lugar mais elevado do pódio.
O Luís trouxe um vinho que tinha estranhado na primeira vez que o bebeu, mas tal como a coca-cola, entranhou-se. Pelo resultado conseguido, que muito me surpreendeu, já não estranha tanto assim. Um vinho bairrada típico, com toda aquela mineralidade e sabor de barro típico da região bem controlado pelos aromas típicos de um vinho velho. 17 anos não é nada para alguns brancos desta região, mas este está no limite. A beber enquanto dá imenso prazer.
Depois veio outro branco velho, desta vez do Dão, de uma das minhas castas preferidas, o Encruzado, mas ele foi prejudicado por ter sido servido depois do bairradino, que de tão potente fez este parecer água, boa sem dúvida, mas água!
Vieram depois os tintos, com um Syrah, de um produtor que adoro, mas neste caso abalado pelos 10 anitos de vida. Está magro e apenas ficaram as notas apimentadas da casta, que sem a doçura da fruta o torna difícil para a maioria.
O Quinta da Carolina foi para mim o menos interessante e a verdade é que não ficou na memória de ninguém.
E só em 5º lugar na classificação os tintos aparecem, com o Crasto Vinhas Velhas 2009 na frente deste pelotão, graças sem dúvida às notas de frutos negros doces e algumas notas florais, certamente da Touriga, taninos suaves e bom corpo. Agradou mas apenas encantou um dos convivas que o considerou o melhor da noite.
Em 6º lugar na classificação geral e uma verdadeira surpresa para mim, ficou o tawny da Taylor’s que usualmente mais me agrada, o 30 anos. Para mim e mesmo não lhe reconhecendo o valor de outrora, foi o melhor da noite.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ivy League no Clube da Gula


Esta estada em Portugal, mais longa do que o esperado, tem pelo menos a virtude de poder realizar, a pedido de alguns “ferrinhos”, mais umas sessões das já saudosas Ivy Leagues.
Na falta do local habitual, começamos aquele que será uma ronda pelas capelinhas e começámos pelo Clube da Gula num gesto de reconhecimento por tudo o que a Helena tem feito em prol da divulgação da enofilia.
Esta jornada trouxe muitos e bons vinhos como poderão confirmar, alguns com muito para contar…
Vinhos pela ordem de serviço                                 Jogador                                Classificação
Informal 2010                                                           Sérgio Santos                         10º lugar
Blandy's Terrantez 20 Anos                                       Orlando Costa                         3º
Toques et Clochers Limoux Chardonnay 2007           Sérgio Santos                          6º
Louis Latour Corton-Charlemagne 2008                    Alexandre Braga                      7º
Charme 2009                                                            João Crispim                            4º
Vinhas da Ira 2005                                                    Hildérico Coutinho                   5º
Barca Velha 2004                                                     Isabel Braga                              2º
Lagoalva de Cima Syrah 2005                                  Alexandra Amorim                     1º
Luís Pato Abafado Molecular Branco 2010               Hildérico Coutinho                     9º
Málaga Moscatel                                                      Luís Império                               8º

Esta jornada teve a particularidade de poder ajudar a responder a uma pergunta que sistematicamente me fazem: qual é o melhor vinho português? sendo que quase todos eles já têm a resposta pronta, o Barca Velha, não é?
Pois desta vez havia o aliciante de termos em prova o último Barca Velha que saiu para o mercado, o 2004. Ainda não o tinha provado e resolvi testá-lo, colocando em prova vinhos com praticamente a mesma idade, 2005, um alentejano, o Vinhas da Ira, o outro do Tejo, antigamente Ribatejo, o Lagoalva de Cima - Syrah, que custam uma quinta parte do ícone português e provêm de regiões que, dizem os entendidos, tem menor potencial de envelhecimento.
Eu costumo dizer a quem responde à questão colocada com a resposta habitual com um desafio. Eu coloco nove vinhos até aos vinte e tal euros e em prova cega eu aposto que o Barca Velha fica a meio da tabela.
Desta vez e apenas com mais um vinho tinto em prova, o Charme 2009, também do Douro, mas com um perfil completamente diferente, não ganharia a aposta se fossemos rigorosos, mas não ficaria longe da vitória.
A boa nova é que este 2004 é, para mim, claramente melhor que o seu antecessor, o 2000, não apresentando este notas que me deixam desatinado, o suor de cavalo que se quisermos ser simpáticos chamamos couro. Não consegue todavia, como previra, destacar-se dos demais, sendo mesmo ultrapassado por um concorrente. O mais curioso é que quase todos o identificaram, tendo todos trocado o Vinhas da Ira pelo Lagoalva de Cima. Eu explico o porque de me ter enganado, não por não ser habitual, mas neste caso o Vinhas da Ira apresentava umas notas que eu identifiquei como pimenta preta, que é nada mais nada menos que a marca distintiva habitual da casta……………………………………..ahh?
Syrah, pois então. Além disso apresentava um perfil mais para o elegante, com pouco volume de boca, como tenho encontrado em outros Syrah’s. Enfim, por vezes também queremos enganar-nos a nós próprios. Teria sido o caso? A verdade é que se tratava do Vinhas da Ira, tendo aquele que pensávamos tratar-se deste tratar-se afinal daquele que todos colocariam em último lugar, o Lagoalva de Cima que ganhou a prova com quatro dos participantes a considera-lo o vinho da noite e sendo que o Barca Velha não foi o vinho da noite para ninguém!
Espero com isto ter respondido à questão, ou seja, essa é uma questão que se não deve colocar, simplesmente porque não tem resposta.
Falemos agora dos brancos em prova, que mesmo não ganhando a prova, não só eram muito bons como têm ambos muita história para contar.
Comecemos pelo que foi servido em primeiro, oriundo de uma região pouco considerada, Languedoc/Roussillon, situada no sul de França, nas fraldas dos Pirenéus, mas que ganhou ao vinho proveniente de uma das mais famosas vinhas do mundo na Borgonha, ambos utilizando única e exclusivamente a casta Chardonnay.
Creio que é a segunda vez que provo um vinho de Limoux, mas só agora me apercebi um pouco da história que está por trás dos vinhos desta zona. Que falha e com que vontade de conhecer fiquei depois de saber que este vinho em particular foi leiloado num festival anual de música, artes, gastronomia e vinho. Que mais poderemos querer? Está bem, ok, eu sei, mas podem sempre levar convosco. Anualmente a festa é liderada por um Chef convidado (“Toques”) e o resultado do leilão é utilizado para recuperar uma das quarenta torres sineiras (“Clocher”) desta região, permitindo assim manter a traça arquitetónica desta região. Temos tanto para aprender…
Vejam através deste vídeo e outros que por lá há e o porquê de ter ficado com formigueiro no rabo…  http://www.youtube.com/watch?v=lHsYZGBtKtQ
E porque é que este vinho ganhou ao borgonhês? Porque está pronto para beber e, não sendo muito complexo, tem uma mineralidade e uma estrutura muito agradável e é certamente diferente dos habituais chardonnays, não tão fácil e óbvio, mas disso já estamos um pouco fartos.
O outro branco, proveniente de uma das mais famosas vinhas do mundo, que pouco mais é que um cabeço com aspeto de cogumelo pelo topo estar cheio de árvores e em que as vinhas mais altas são da casta Chardonnay e as mais baixas de Pinot Noir.
Estas vinhas pertenceram ao imperador Carlos Magno e até ao século oitavo produziam apenas vinhos tintos, mas a certa altura, a mulher do imperador, cansada de ver as barbas do marido pintadas de vermelho resolveu impor a sua vontade e as vinhas foram replantadas para produzir vinho branco, algo que se mantém até hoje. Ainda havia dúvidas acerca de quem manda?
Esta pequena sub-região da Côte de Beaune tem 1 AOC para tintos denominada Corton e 3 para brancos, Charlemagne é uma vinha tão pequena que na prática quase todos os produtores juntam as uvas provenientes desta vinha com as vinhas vizinhas e lançam o vinho sob a denominação Corton-Charlemagne, mas existe ainda uma outra, porventura ainda mais rara e que tem o mesmo nome da AOC para tintos, simplesmente Corton.
E porque passo a vida a ouvir dizer que nós não temos produção para os grandes mercados, não posso deixar de referir, que em conjunto, todos os produtores da AOC Corton-Charlemagne conseguem lançar no mercado anualmente cerca de 300 mil garrafas de vinho. E estavam a falar de quê?
E porque é que este vinho perdeu para o outro branco apesar de todos reconhecerem um maior potencial neste vinho? Porque mais uma vez cometemos um infanticídio. Está demasiado novo e não apresenta grande complexidade por isso mesmo. Tem no entanto uma mineralidade, acidez e profundidade notáveis, que no futuro serão de grande valia quando o vinho ganhar os aromas terciários de que necessita.
E como esta crónica já vai longa e dos vinhos de sobremesa pouco há a dizer, vou apenas referenciar o Blandy’s e falar-vos da delícia que é a utilização destes vinhos secos da Madeira para acompanhar entradas. Naõ deixem de o fazer quando puderem, se não for com a casta Terrantez, mais rara, façam-no com a Sercial. Fiquei surpreso com a doçura deste vinho que esperava mais seco. Era pelo menos essa a memoria que eu tinha destes vinhos que poucas vezes bebi. Esperemos que não passem muitos anos antes de voltar a beber um Terrantez que felizmente salvaram da extinção. Um bem haja aos madeirenses.

domingo, 10 de junho de 2012

Ivy League - O Dia XXVI - A Crónica

Com um grupo mais "curto" devido a ausências no feriado (ainda há quem faça pontes com a crise), estiveram presentes os amigos Alexandre Braga, respetiva Isabel e filho Miguel, o Luís Império e o André Antunes que veio de Braga.
O Chefe Tomé inventou um menu curioso, à partida sem excessos, claramente pendendo para os "brancos" e cuja realidade ultrapassou e muito as expectativas.
Foi um dos melhores menus que já tive o prazer de desfrutar no Quo Vadis.
E um dos melhores dos últimos tempos.
Assim foi:
A Polenta (à colher) com ragu de cogumelos estava boa.
Sempre difícil de "casar" a polenta com vinhos, optamos pelo Murganheira 04 (Luís Império) que estava fantástico. 5 estrelas para a elegância da bolha, fruta muito fresca (cítrica e marmelo ácido), algo floral, com notas ligeiras de frutos secos (alguma resina de pinho ??), floral qb, com acidez suficiente para o tornar gastronómico e longo. Excelente. Vale todos os cobres que se paga por ele. Ainda assim, uma quase unanimidade em colocá-lo no último lugar por comparação com o que veio a seguir.
Hamburger de atum fresco (cebolinho e erva limeira) com arroz branco. Excelente.
Como havia 3 brancos optamos aqui pela prova cega. A ordem de serviço foi:
Em primeiro o Andreza Grande Reverva 2010 - Douro (Arinto, viosinho, verdelho e rabigato com Batonage e fermentado em barricas novas)
Em segundo o Ossian 2006 - Tierra de Castilla y Léon - casta Verdejo. (Projecto Aalto de Javier Zaccagnini e do borgonhês Pierre Millemann. Em vinhas muito velhas, bio e estágio prolongado - 9 meses).
Em terceiro o Chateau Carbonnieux Blanc 2003 - Bordéus - Graves Pessac-Léognan. 
Muita gente confundiu o primeiro branco com o terceiro.
Mérito do Andreza e demérito do Carbonnieux
O Andreza GR 2010 (Miguel Braga) estava magnifico. Acidez elevada integrada numa madeira belíssima. Muito elegante. Combina os cítricos (limão) com frutos mais quentes (banana e alperces). Final longo, amargo e seco por algum caracter vegetal. Mesmo muito bom. Segundo lugar nos brancos.
Esta discrição não indicaria um bordéus. Mas o dito cujo também não era típico.
Assim o Carbonnieux 2003 (Luís Maia) esteve à altura mas não foi o melhor (como seria de esperar). Madeira ligeira com acidez fantástica. Cítrico. Algo vegetal mas atípico para a Sauvignon Blanc. Sem espargos ou erva. A fruta também atípica. Mais banana do que outras frutas tropicais. Algum rebuçado doce aliado a alguma gordura na boca. Pareceu-me algo curto e cansado. Talvez marcado pelo ano de 2003 muito quente. Ficou com o último lugar dos brancos.
Brás de frango. O Chefe Tomé excedeu-se. Estava excecional.
A estrela (nos brancos) foi o Ossian 2006 (André Antunes). Acidez elevada. Muita madeira mas de excelente qualidade. Muito bem casada. Estruturado (gordo), marcado pelas frutas de caroço (pêssego), mas sempre com um caracter vegetal por traz. Excelente.
O tinto era manifestamente excessivo para o prato.
O Leda 2008 (Alexandre Braga) irá durar muitos anos e está fantástico. Nariz simplesmente monumental. Balsâmico, madeira adocicada, fruta vermelha e preta sempre muito fresca. Moca e limão. Algum chocolate. Uma boca com início rústico (vegetal), taninoso, já só com fruta preta mas fresquíssima, químico (tinta preta). Acidez fora de série. Numa palavra. Fantástico. Ganhou a noite.
Tarte de limão com raspa de lima (para mim o melhor da noite - simplicidade e excelência). Parabéns Tomé.
O vinho de sobremesa, um OT Velich trockenbeerenauslese 1999 - Burgenland, Áustria (Isabel Braga) ficou com dois terceiros e dois quintos lugares, feito de Welsch Riesling, não ligou com a sobremesa.
Pedido de socorro ao Chefe Tomé, foi respondido com um doce de cereja branca e pêssego que transformou a ligação de má em excepcional.
Nariz e boca muito cítrica (limão e raspa da laranja), Fruta de caroço (damascos e alperces maduros), Marmelo fresco e sua compota, gengibre, frutos secos (noz). Algum verniz. Acidez fora de série. Um mimo.
Conclusão: Ganhou o Sr. Alexandre, seguido do André. Difícil o terceiro lugar entre o OT e o Andreza (olha que bem).
Uma das melhores Ivy leagues. Quem não apareceu... perdeu.

Autor: Luís Maia

sexta-feira, 27 de abril de 2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ivy League - O Dia XXV - A crónica & Um desabafo



Era prevista a presença da Ivone Ribeiro nesta jornada, que se justificava plenamente não só por todas as provas que já nos possibilitou, tanto na Vinho e Coisas como na Wine O’Clock, mas também por estar de saída e a abraçar um novo projeto, desta vez numa grande distribuidora nacional que me parece estar a tentar abordar o mercado de uma forma diferente. Assim espero pois se há algo que continua mal na restauração em Portugal é o serviço de vinhos. Aliás, esta situação é algo que mexe com o meu sistema nervoso sempre que penso no que é que as revistas da especialidade e os críticos de vinhos e de gastronomia têm feito para que essa situação se altere: QUASE NADA.
Alguns, os de vinhos, poderão dizer que não é da responsabilidade deles fazer o que quer que seja para alterar esse panorama. A mim parece-me profundamente errado que alguém que goste de vinho, como é suposto estes senhores gostarem, não o queira ver ser bem servido à temperatura correta e em copos adequados a cada estilo, atraindo assim mais pessoas para este mundo de que pensam não gostar por ser a maior parte das vezes mal servido e quanto mais não seja para poderem usufruir quando forem ao restaurante …
Outros, os de gastronomia, dizem que não é para isso que lá estão e eu não consigo entender isso, pois a avaliação de um restaurante tem de ser feita no seu todo e não apenas em algumas partes, eventualmente onde nos sintamos mais confortáveis, mas convém não esquecer que também em Portugal existem cada vez mais pessoas que se sentem defraudados se os restaurantes não tiverem copos adequados e cartas de vinhos minimamente elaboradas e já nem falo das temperaturas dos vinhos porque essa questão é por norma ultrapassável desde que se tenha algum tempinho.
Por último, os das revistas da especialidade, vão-me dizer que não é verdade, pois até têm promovido o vinho a copo e até avaliam os restaurantes em função do serviço de vinhos. Pois eu lamento dizer-vos que depois de dois anos e meio depois da inauguração ainda não fomos visitados por nenhuma revista do mundo dos vinhos e menos ainda por especialistas da área da gastronomia. Pior, já obtivemos dois prémios, um da Revista de Vinhos com uma menção honrosa nas cartas de vinhos com melhor relação qualidade/preço e outro no concurso de harmonizações com vinho do Porto, onde apesar da nossa inexperiência neste tipo de concursos, conseguimos na nossa primeira participação uma medalha de bronze. Ainda assim continuamos sem a visita de tão ilustres senhores. Mais, obtivemos 4,8 pontos em 5 possíveis na avaliação feita pelos senhores da ViniPortugal no serviço de vinhos a copo... Ainda assim, a Wine, que tem exatamente uma rúbrica nesta matéria, prefere dar destaque a restaurantes que recebem avaliações inferiores a 3. Pasme-se! São capazes de me vir dizer que assim eles vão emendar-se e eu pergunto não seria uma melhor política destacar os que têm melhores serviços de forma a que não apenas aquele que é exposto, mas sim todos os outros se esforcem para tentar aparecer? É que neste mundo da hotelaria, como em muitos outros, é por vezes melhor ser mal falado que ignorado! Também já ouvi dizer, com alguma perplexidade, que não visitam espaços antes de eles terem oito ou nove meses de idade, porque é a idade média em que fecham portas. Claro, não admira, com a ajuda que recebem… se há altura em que a ajuda é bem-vinda é no início, algo que aliás estes senhores não têm problema nenhum em fazer antes dessa idade se o restaurante for do Chefe Avilez ou do Chefe Sobral, mas como sempre, são sempre os mesmos a serem ajudados.
Desculpem, mas tinha de fazer este desabafo, agora que estou prestes a iniciar outro ciclo nesta minha recente vida como profissional de hotelaria, que terá de ser fora de Portugal e da qual falarei posteriormente. Para já apenas dizer que a nossa convidada foi substituída por outra que, para mim, merece ainda mais, a minha mulher Alexandra Amorim (Ivone eu tinha de dizer isto ou levava com o rolo da massa e com outros castigos bem mais penosos mas que não posso explicitar…) que vai ter a provação maior nos próximos tempos e a quem agradeço publicamente o apoio que me tem dado para ir em frente, apesar de lhe doer. Beijoca, fofa.
Significa isto, que pelo menos as duas próximas Ivy Leagues, serão comandadas e as crónicas escritas por outros. Luís Pedro Maia e Orlando Costa são os senhores que estão na calha!
Mas vamos então à crónica propriamente dita e comecemos por ver a lista de jogadores e respetivos selecionadores pela ordem de serviço:
Champagne André Clouet Silver Brut Nature - Jorge Tavares
Anselmo Mendes Alvarinho "Curtimenta" 2005 - Miguel Braga
Laroche Pouilly-Fuisse Bourgogne Blanc 2000 - Alexandra Amorim
Domaine William Fevre Chablis Grand Cru "Les Clos" 2005 - Alexandre Braga
Quinta dos Roques Encruzado 2008 - Luís Império
Trimbach Clos Ste Hune Alsace Riesling 2004 - Isabel Braga
Eitelsbacher Harthäuserhofberg Mosel-Saar-Ruwer Spätlese Riesling 2005 - Orlando Costa
Château Jolys Terrae Escencia Jurançon 2001 - Hildérico Coutinho
Como podem verificar foi mais uma enchente de vinhos brancos, mas desta vez por causa do menu, que como poderão ver, se adequa muito mais aos brancos:
MENU
Tempura de espargos
Risotto de sapateira
Almofada de frango em pasta de caril com arroz basmati e tártaro de tomate
Iogurte de caramelo com frutos vermelhos
O único falhanço nas harmonizações aconteceu na sobremesa, que também foi o prato menos conseguido, por não saber se o Château Jolys era doce ou seco e não querer provar antes do jantar. Foi um erro porque ele tinha apenas alguma doçura, exatamente aquela que era necessária para o prato de caril, o melhor da noite e com o qual teria combinado na perfeição.
Aquele erro apenas veio confirmar um pouco a tónica daquela que poderia ser a palavra que reflete, para mim este jantar: deceção!
Eu não queria ser nada injusto e o jantar até foi ótimo e os vinhos eram bons, mas a verdade é que eu esperava sempre um pouco mais de todos os vinhos que foram servidos, excluindo talvez o Qta dos Roques. Passo a explicar:
O vencedor da noite foi provavelmente o Riesling mais caro que alguma vez bebemos nestas jornadas. Este é o topo de gama da casa Trimbach, no que a Rieslings secos diz respeito. Produzido com uvas provenientes de uma pequena parcela na localidade de Hunawihr e sendo esta um dos produtores mais importantes da região, e tendo na memória alguns dos belos vinhos que já bebemos desta região e inclusive deste produtor era lícito esperar mais, pois não chega apresentar umas leves notas a gás de isqueiro, típicas da casta, mais uma notas florais e algumas frutas brancas a torna-lo mais agradável. Não, este vinho tinha de ter potência no ataque de boca inicial e de ter profundidade para que nela permanecesse por um bom bocado. A verdade é que era tudo bom, mas tudo demasiado soft e eu duvido que a idade lhe dê o que estou aqui a pedir. Apenas 4 o classificaram em 1º lugar, o Alexandre, o Miguel a Isabel e o Luís, sendo que o Jorge o colocou em 6º!
Em segundo lugar, a apenas um ponto de distância e reforçando o que disse antes, veio o outro Riesling, a mostrar o quão pouco gostamos dela… Este spätlese de um conceituado produtor da minha região preferida da Alemanha, Mosel-Saar-Ruwer, mostrou-se bem, mas mais uma vez, a minha memória lembra-se de coisas mais interessantes neste registo, apesar de conceder que a doçura que apresentava ligava muito bem com o picante do caril. Foi considerado como o melhor pela Alexandra, pelo Jorge e pelo Orlando. A pior nota veio da Isabel com um 4º lugar.
Em 3º lugar ficou o Grand Cru de Chablis, a região da Borgonha que menos me atrai pela extrema mineralidade dos seus vinhos, mas que mal se via neste vinho. Aliás, estava de tal modo escondida que este foi um dos vinhos que toda a gente errou pensando tratar-se do Alvarinho! Quem diria? Esta semelhança foi de tal ordem que me leva a perguntar, mas é este o estilo de vinho que é mais aclamado em Chablis? Um vinho muito menos mineral e tão controlado em todos os aspetos que nem parece um Chardonnay e muito menos um Chablis?  Bom, se assim for, a casta Alvarinho tem ainda mais potencial que aquele que eu pensava…
Em 4º lugar ficou aquele de que mais gostei, o Encruzado do Dão, elaborado por um dos melhores produtores da região e, apesar de apenas ter 4 anos, a mostrar uma conjugação extraordinária entre mineralidade, fruta e doçura, tendo sido porventura o que mais profundidade apresentou.
Em 5º lugar aparece outro Borgonha, mas desta vez de Pouilly-Fuisse e que creio não enganou ninguém quanto ao facto de ser um Chardonnay da Borgonha, pois apresentava as notas minerais e a madeira bem incorporada. Eu pensava que este é que seria o de Chablis pois este já tem 12 anos e apresentou uma cor apenas ligeiramente amarela.
O 6º lugar foi para o meu vinho, que veio dos Pirinéus, mais propriamente de Jurançon e que é mais um vinho fora do baralho, pois é elaborado com duas castas brancas,  Gros e Petit Manseng, a primeira é de origem basca e raramente é utilizada para a produção de vinhos doces e que aqui está com apenas 20% do lote, sendo a segunda muito mais apropriada à elaboração de colheitas tardias e cujo bago, como o nome indica, é mais pequeno. Os vinhos secos de Jurançon, diz a bibliografia, são muito fortes e difíceis onde as notas minerais da areia e do barro, que notámos no doce, serão aqui bem mais complicadas de apreciar. A doçura torna este vinho difícil em algo apelativo para os que gostam de coisas diferentes e não é por acaso que a casta Petit Manseng esteja a seguir as pisadas da Viognier e a ser plantada por produtores do novo mundo. Como curiosidade, será de referir que foi aqui que no século XIV foi introduzida pela primeira vez o conceito de CRU, elogiando e protegendo determinados locais como os melhores para a produção de vinho, mais tarde copiado para outras regiões de França e não só com o sucesso que se conhece.
No 7º posto ficou o champanhe com zero gramas de açúcar residual de que gosto por apresentar o que se espera de um bom champanhe de gama de entrada, com notas evidentes de levedura e alguns amanteigados. De realçar a evolução positiva que apresentou com o aumento da temperatura, mostrando um nariz muito mais sedutor a citrinos e flores brancas.
Em último lugar a maior deceção, por ser um vinho que é elaborado à moda antiga, com fermentação parcial com contacto pelicular e posterior estágio em barricas usadas sobre as borras totais durante nove meses. Tudo isto deveria ter dado ao vinho a possibilidade de viver e evoluir positivamente durante muitos anos. Pois bem a evolução foi tão dramática que apresenta uma cor que me fez pensar tratar-se do Borgonha de 2000 e não tenho grandes dúvidas em afirmar que se pegarmos em Alvarinhos normais de 2005, eles estarão melhor que este Anselmo Mendes. Como é óbvio, o problema não era a cor mas sim a muito pouca expressividade aromática fazendo com que o vinho se mostrasse quase plano e estava praticamente morto. Boa sorte para quem tiver ainda alguma destas garrafas, pois vai precisar…
Na questão dos acertos, ganhou o Jorginho com 4 tiros certeiros em 6 possíveis mostrando, tal como a Alexandra com 3, tantos quantos eu, que não é preciso vir muitas vezes aos treinos para ter bons resultados. Mas quem nos tira o prazer de treinar? Deixem-se disso!