quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ivy League no Clube da Gula


Esta estada em Portugal, mais longa do que o esperado, tem pelo menos a virtude de poder realizar, a pedido de alguns “ferrinhos”, mais umas sessões das já saudosas Ivy Leagues.
Na falta do local habitual, começamos aquele que será uma ronda pelas capelinhas e começámos pelo Clube da Gula num gesto de reconhecimento por tudo o que a Helena tem feito em prol da divulgação da enofilia.
Esta jornada trouxe muitos e bons vinhos como poderão confirmar, alguns com muito para contar…
Vinhos pela ordem de serviço                                 Jogador                                Classificação
Informal 2010                                                           Sérgio Santos                         10º lugar
Blandy's Terrantez 20 Anos                                       Orlando Costa                         3º
Toques et Clochers Limoux Chardonnay 2007           Sérgio Santos                          6º
Louis Latour Corton-Charlemagne 2008                    Alexandre Braga                      7º
Charme 2009                                                            João Crispim                            4º
Vinhas da Ira 2005                                                    Hildérico Coutinho                   5º
Barca Velha 2004                                                     Isabel Braga                              2º
Lagoalva de Cima Syrah 2005                                  Alexandra Amorim                     1º
Luís Pato Abafado Molecular Branco 2010               Hildérico Coutinho                     9º
Málaga Moscatel                                                      Luís Império                               8º

Esta jornada teve a particularidade de poder ajudar a responder a uma pergunta que sistematicamente me fazem: qual é o melhor vinho português? sendo que quase todos eles já têm a resposta pronta, o Barca Velha, não é?
Pois desta vez havia o aliciante de termos em prova o último Barca Velha que saiu para o mercado, o 2004. Ainda não o tinha provado e resolvi testá-lo, colocando em prova vinhos com praticamente a mesma idade, 2005, um alentejano, o Vinhas da Ira, o outro do Tejo, antigamente Ribatejo, o Lagoalva de Cima - Syrah, que custam uma quinta parte do ícone português e provêm de regiões que, dizem os entendidos, tem menor potencial de envelhecimento.
Eu costumo dizer a quem responde à questão colocada com a resposta habitual com um desafio. Eu coloco nove vinhos até aos vinte e tal euros e em prova cega eu aposto que o Barca Velha fica a meio da tabela.
Desta vez e apenas com mais um vinho tinto em prova, o Charme 2009, também do Douro, mas com um perfil completamente diferente, não ganharia a aposta se fossemos rigorosos, mas não ficaria longe da vitória.
A boa nova é que este 2004 é, para mim, claramente melhor que o seu antecessor, o 2000, não apresentando este notas que me deixam desatinado, o suor de cavalo que se quisermos ser simpáticos chamamos couro. Não consegue todavia, como previra, destacar-se dos demais, sendo mesmo ultrapassado por um concorrente. O mais curioso é que quase todos o identificaram, tendo todos trocado o Vinhas da Ira pelo Lagoalva de Cima. Eu explico o porque de me ter enganado, não por não ser habitual, mas neste caso o Vinhas da Ira apresentava umas notas que eu identifiquei como pimenta preta, que é nada mais nada menos que a marca distintiva habitual da casta……………………………………..ahh?
Syrah, pois então. Além disso apresentava um perfil mais para o elegante, com pouco volume de boca, como tenho encontrado em outros Syrah’s. Enfim, por vezes também queremos enganar-nos a nós próprios. Teria sido o caso? A verdade é que se tratava do Vinhas da Ira, tendo aquele que pensávamos tratar-se deste tratar-se afinal daquele que todos colocariam em último lugar, o Lagoalva de Cima que ganhou a prova com quatro dos participantes a considera-lo o vinho da noite e sendo que o Barca Velha não foi o vinho da noite para ninguém!
Espero com isto ter respondido à questão, ou seja, essa é uma questão que se não deve colocar, simplesmente porque não tem resposta.
Falemos agora dos brancos em prova, que mesmo não ganhando a prova, não só eram muito bons como têm ambos muita história para contar.
Comecemos pelo que foi servido em primeiro, oriundo de uma região pouco considerada, Languedoc/Roussillon, situada no sul de França, nas fraldas dos Pirenéus, mas que ganhou ao vinho proveniente de uma das mais famosas vinhas do mundo na Borgonha, ambos utilizando única e exclusivamente a casta Chardonnay.
Creio que é a segunda vez que provo um vinho de Limoux, mas só agora me apercebi um pouco da história que está por trás dos vinhos desta zona. Que falha e com que vontade de conhecer fiquei depois de saber que este vinho em particular foi leiloado num festival anual de música, artes, gastronomia e vinho. Que mais poderemos querer? Está bem, ok, eu sei, mas podem sempre levar convosco. Anualmente a festa é liderada por um Chef convidado (“Toques”) e o resultado do leilão é utilizado para recuperar uma das quarenta torres sineiras (“Clocher”) desta região, permitindo assim manter a traça arquitetónica desta região. Temos tanto para aprender…
Vejam através deste vídeo e outros que por lá há e o porquê de ter ficado com formigueiro no rabo…  http://www.youtube.com/watch?v=lHsYZGBtKtQ
E porque é que este vinho ganhou ao borgonhês? Porque está pronto para beber e, não sendo muito complexo, tem uma mineralidade e uma estrutura muito agradável e é certamente diferente dos habituais chardonnays, não tão fácil e óbvio, mas disso já estamos um pouco fartos.
O outro branco, proveniente de uma das mais famosas vinhas do mundo, que pouco mais é que um cabeço com aspeto de cogumelo pelo topo estar cheio de árvores e em que as vinhas mais altas são da casta Chardonnay e as mais baixas de Pinot Noir.
Estas vinhas pertenceram ao imperador Carlos Magno e até ao século oitavo produziam apenas vinhos tintos, mas a certa altura, a mulher do imperador, cansada de ver as barbas do marido pintadas de vermelho resolveu impor a sua vontade e as vinhas foram replantadas para produzir vinho branco, algo que se mantém até hoje. Ainda havia dúvidas acerca de quem manda?
Esta pequena sub-região da Côte de Beaune tem 1 AOC para tintos denominada Corton e 3 para brancos, Charlemagne é uma vinha tão pequena que na prática quase todos os produtores juntam as uvas provenientes desta vinha com as vinhas vizinhas e lançam o vinho sob a denominação Corton-Charlemagne, mas existe ainda uma outra, porventura ainda mais rara e que tem o mesmo nome da AOC para tintos, simplesmente Corton.
E porque passo a vida a ouvir dizer que nós não temos produção para os grandes mercados, não posso deixar de referir, que em conjunto, todos os produtores da AOC Corton-Charlemagne conseguem lançar no mercado anualmente cerca de 300 mil garrafas de vinho. E estavam a falar de quê?
E porque é que este vinho perdeu para o outro branco apesar de todos reconhecerem um maior potencial neste vinho? Porque mais uma vez cometemos um infanticídio. Está demasiado novo e não apresenta grande complexidade por isso mesmo. Tem no entanto uma mineralidade, acidez e profundidade notáveis, que no futuro serão de grande valia quando o vinho ganhar os aromas terciários de que necessita.
E como esta crónica já vai longa e dos vinhos de sobremesa pouco há a dizer, vou apenas referenciar o Blandy’s e falar-vos da delícia que é a utilização destes vinhos secos da Madeira para acompanhar entradas. Naõ deixem de o fazer quando puderem, se não for com a casta Terrantez, mais rara, façam-no com a Sercial. Fiquei surpreso com a doçura deste vinho que esperava mais seco. Era pelo menos essa a memoria que eu tinha destes vinhos que poucas vezes bebi. Esperemos que não passem muitos anos antes de voltar a beber um Terrantez que felizmente salvaram da extinção. Um bem haja aos madeirenses.

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